Focalização
Fala galera. Tudo bem?
Estão lendo bastante?
E escrevendo?
Um conceito utilitário
Antes de falar sobre cada uma dos três tipos de focalização, eu gostaria de explanar um pouco sobre os problemas que vejo com relação a isso, principalmente em histórias de escritores iniciantes. Eu mesmo passei por isso no começo da minha "extensa carreira de 2,5 anos" (hehe), até que alguém chegou para mim e me disse que o que eu escrevia estava confuso e que o problema era o "ponto de vista". Este alguém foi o editor de uma das antologias que eu participei (daí a importância de participar de antologias). Decidi, então, adquirir o livro citado no começo do artigo a fim de que eu pudesse me tornar um escritor melhor. Me deparei com esse conceito que mudou completamente a minha mente na hora de redigir minhas obras.
Ainda com relação aos problemas dos iniciantes, é muito comum que o narrador da história acabe misturando a focalização e trocando de um personagem para o outro sem dar a "quebra" necessária e isso deixa o texto confuso.
Veja o trecho a seguir:
"Certo dia, João saiu para caçar com sua filha, coisa que ele sempre fazia e a levava junto para que olhasse e aprendesse, afinal Maria ainda não tinha força para manusear uma arma, ela tinha apenas 8 anos de idade, mas ela ficava sempre atenta aos movimentos do pai, como ele procurava a caça e abatia ela quando encontrava".
Note que eu separei em negrito e itálico dois trechos para que fique fácil a visualização. Nesse trecho é nítido o uso "incorreto" da focalização. Dentro de um mesmo parágrafo o narrador passou do "ponto de vista" de João para a sua filha Maria sem "nos preparar" para isso, tornando o trecho confuso.
Você deve estar se perguntando: E como seria o jeito "correto" de escrever essa sentença?
A resposta é: existem 3 maneiras. Estas são os tipos de focalização citados acima.
Focalização Interna
"A focalização interna é quando a história é vista, sentida e "vivida" pelo personagem. Pode ser em primeira, segunda (raramente) ou terceira pessoa". Essa é a definição mais simplória que o professor Assis Brasil dá a respeito desse tipo de focalização.
Se pensarmos em obras que nos sirvam de exemplo para esse tipo de "narrador" podemos citar As crônicas de gelo e fogo do autor norte-americano George R. R. Martin. Nessa história, os capítulos trazem como título o nome do personagem em quem a focalização interna está. Então, ao longo de todo o capítulo a focalização permanece no personagem central transmitindo ao leitor SOMENTE aquilo que o personagem vê, ouve, sente, vive, sabe ou acha que sabe. Então, caso o narrador vá dizer algo "interno" de outro personagem o Martin deixa para o capítulo em que é narrada a focalização daquele personagem ou então utiliza palavras como provavelmente, possivelmente, deve estar pensando.
Veja um exemplo (bem simples):
"O goblin já havia conseguido escalar a montanha e chegado a um local plano e seguro, foi quando viu um lince de pelagem branca. Este demonstrava estar com medo do próprio goblin e recuava encolhido devido a aproximação da criatura. Aparentemente havia sofrido algum ataque, pois tinha ferimentos pelo corpo e este ataque, provavelmente, o deixou com medo de outros seres".
Veja como o uso das palavras não trazem a certeza, deixam o leitor em dúvida sobre o que se passa na "cabeça" da outra personagem. O uso das palavras em destaque reforçam isso.
"Neste tipo de focalização, o leitor é colocado dentro da cabeça e das emoções do personagem, e sabe tanto quanto ele. O que o personagem sentir, o leitor sente junto. O que o personagem imaginar, o leitor imaginará também". [Escrita Criativa: Um manual de criação literária, pág 210].
Focalização Externa
"A focalização externa é quando são relatadas apenas as ações "visíveis" ou falas dos personagens, sempre em terceira pessoa", é o que começa dizendo o professor. "A focalização externa se limita a descrever as ações dos personagens. Por isso, o texto acaba sendo sempre em terceira pessoa, mas sem ingressar em sua interioridade. É como se houvesse uma câmera de cinema que apontasse seu foco para diversos alvos".
A focalização externa está entre os tipos de "narração" mais difíceis de serem utilizados e que consigam prender a atenção do leitor, porque você não tem "acesso" a informações que considero importantes para a história e para a identificação com o personagem, que são os sentimentos do mesmo.
O professor de escrita criativa Vilto Reis, no seu vídeo sobre focalização nos dá um exemplo que, em textos narrados com esse tipo de focalização você nunca vai encontrar algo assim: "ele entrou no quarto e sentiu o cheiro da morte". Isso acontece porque o narrador não tem acesso a essa sensibilidade do personagem. Ele poderia dizer: "ele entrou no quarto e colocou a mão no nariz". Neste tipo de focalização o leitor tem que fazer deduções do que o personagem está sentindo a partir as ações dele.
Focalização Onisciente
"A focalização onisciente, também em terceira pessoa, quando nós, ficcionistas, damos acesso ao leitor a tudo que diz respeito ao personagem, seu passado, presente e futuro: além disso, nos permitimos emitir juízos de natureza ideológica, moral e política, e ainda sobre a história, sobre o personagem", começa o professor Assis Brasil.
Essa focalização vem dos tempos mais remotos da literatura e é considerada a mais utilizada nos clássicos, entretanto, nos tempos atuais, ela está em desuso, pois se tornou algo, digamos, "ultrapassado". Essa focalização conhece tudo de cada personagem e ainda especula sobre sentimentos ou coisas que os personagens fazem ou sentem, muitas vezes ainda dando "pitacos" na história e colocando a própria opinião do narrador, ali.
Aquele trecho que lemos no começo, se encaixaria mais próximo desse tipo de focalização, com algumas correções.
Minha opinião
O que eu considero mais "moderno", contemporâneo e "melhor" de se utilizar é a focalização interna, desde que usada da maneira adequada. Você pode trazer a focalização interna para vários personagens ao longo da história, sob condição de que haja quebras de cena ou quebras de capítulos entre essas mudanças/alternâncias. O já citado George Martin faz isso trocando os capítulos, mas você poderia fazer o mesmo alternando entre os parágrafos ou com quebras de cena (os famosos ***) dentro do próprio capítulo.
O trecho lá do começo, escrito em focalização interna, sem prejuízo a compreensão ficaria assim:
"Certo dia, João saiu para caçar com sua filha, coisa que sempre fazia. A levava junto consigo para que ela olhasse e aprendesse, afinal Maria ainda não possuia forças para manusear uma arma; tinha apenas 8 anos de idade.
Maria ficava sempre atenta aos movimentos do pai, observava como ele procurava a caça e a abatia quando encontrava".
Aqui o ficcionista escolheu trazer em outro parágrafo a mudança da focalização interna do João para a da Maria. Veja os trechos em negrito, reforçando onde ESTÁ a focalização naquele momento. O fato do narrador dizer "para que a filha olhasse a aprendesse" refere-se a um sentimento interno do pai, algo que somente o pai sabe. O mesmo acontecesse com o "observava como ele procurava" trazendo a focalização para a Maria, pois apesar do pai poder ver que ela estava sempre atenta, como ele está concentrado caçando, não saberia que ela o observava procurar e aprendia com isso.
Esse assunto ainda nos renderia muitas horas de conversa, mas resolvi parar por aqui. Acho que já está claro a ideia de focalização.
Lembre-se também que na literatura não existe o "correto e o incorreto", existe o que deu certo. A literatura é arte e na arte "não há regras".
Escolha seu tipo de focalização e "Let's write".
Espero que tenham gostado do artigo.
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Que Deus abençoe a todos.
Muito sucesso na escrita.
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