Focalização

17/12/2020

Fala galera. Tudo bem?

Estão lendo bastante?

E escrevendo?


Um conceito utilitário

Segundo o livro Escrever Ficção: Um manual de criação literária do professor de escrita criativa Luiz Antônio de Assis Brasil existem 3 tipos de focalização: a INTERNA, a EXTERNA e a ONISCIENTE. Ainda segundo o professor os termos "foco narrativo" e "ponto de vista" podem ser vistos como sinônimos de focalização, contudo, somente até um certo ponto, visto que a focalização é mais importante para um ficcionista (escritor de ficção).


Antes de falar sobre cada uma dos três tipos de focalização, eu gostaria de explanar um pouco sobre os problemas que vejo com relação a isso, principalmente em histórias de escritores iniciantes. Eu mesmo passei por isso no começo da minha "extensa carreira de 2,5 anos" (hehe), até que alguém chegou para mim e me disse que o que eu escrevia estava confuso e que o problema era o "ponto de vista". Este alguém foi o editor de uma das antologias que eu participei (daí a importância de participar de antologias). Decidi, então, adquirir o livro citado no começo do artigo a fim de que eu pudesse me tornar um escritor melhor. Me deparei com esse conceito que mudou completamente a minha mente na hora de redigir minhas obras.

Ainda com relação aos problemas dos iniciantes, é muito comum que o narrador da história acabe misturando a focalização e trocando de um personagem para o outro sem dar a "quebra" necessária e isso deixa o texto confuso.

Veja o trecho a seguir:

"Certo dia, João saiu para caçar com sua filha, coisa que ele sempre fazia e a levava junto para que olhasse e aprendesse, afinal Maria ainda não tinha força para manusear uma arma, ela tinha apenas 8 anos de idade, mas ela ficava sempre atenta aos movimentos do pai, como ele procurava a caça e abatia ela quando encontrava".

Note que eu separei em negrito e itálico dois trechos para que fique fácil a visualização. Nesse trecho é nítido o uso "incorreto" da focalização. Dentro de um mesmo parágrafo o narrador passou do "ponto de vista" de João para a sua filha Maria sem "nos preparar" para isso, tornando o trecho confuso.

Você deve estar se perguntando: E como seria o jeito "correto" de escrever essa sentença?

A resposta é: existem 3 maneiras. Estas são os tipos de focalização citados acima.


Focalização Interna

"A focalização interna é quando a história é vista, sentida e "vivida" pelo personagem. Pode ser em primeira, segunda (raramente) ou terceira pessoa". Essa é a definição mais simplória que o professor Assis Brasil dá a respeito desse tipo de focalização. 

Se pensarmos em obras que nos sirvam de exemplo para esse tipo de "narrador" podemos citar As crônicas de gelo e fogo do autor norte-americano George R. R. Martin. Nessa história, os capítulos trazem como título o nome do personagem em quem a focalização interna está. Então, ao longo de todo o capítulo a focalização permanece no personagem central transmitindo ao leitor SOMENTE aquilo que o personagem vê, ouve, sente, vive, sabe ou acha que sabe. Então, caso o narrador vá dizer algo "interno" de outro personagem o Martin deixa para o capítulo em que é narrada a focalização daquele personagem ou então utiliza palavras como provavelmente, possivelmente, deve estar pensando.

Veja um exemplo (bem simples):

"O goblin já havia conseguido escalar a montanha e chegado a um local plano e seguro, foi quando viu um lince de pelagem branca. Este demonstrava estar com medo do próprio goblin e recuava encolhido devido a aproximação da criatura. Aparentemente havia sofrido algum ataque, pois tinha ferimentos pelo corpo e este ataque, provavelmente, o deixou com medo de outros seres".

Veja como o uso das palavras não trazem a certeza, deixam o leitor em dúvida sobre o que se passa na "cabeça" da outra personagem. O uso das palavras em destaque reforçam isso.

"Neste tipo de focalização, o leitor é colocado dentro da cabeça e das emoções do personagem, e sabe tanto quanto ele. O que o personagem sentir, o leitor sente junto. O que o personagem imaginar, o leitor imaginará também". [Escrita Criativa: Um manual de criação literária, pág 210].


Focalização Externa

"A focalização externa é quando são relatadas apenas as ações "visíveis" ou falas dos personagens, sempre em terceira pessoa", é o que começa dizendo o professor. "A focalização externa se limita a descrever as ações dos personagens. Por isso, o texto acaba sendo sempre em terceira pessoa, mas sem ingressar em sua interioridade. É como se houvesse uma câmera de cinema que apontasse seu foco para diversos alvos".

A focalização externa está entre os tipos de "narração" mais difíceis de serem utilizados e que consigam prender a atenção do leitor, porque você não tem "acesso" a informações que considero importantes para a história e para a identificação com o personagem, que são os sentimentos do mesmo.

O professor de escrita criativa Vilto Reis, no seu vídeo sobre focalização nos dá um exemplo que, em textos narrados com esse tipo de focalização você nunca vai encontrar algo assim: "ele entrou no quarto e sentiu o cheiro da morte". Isso acontece porque o narrador não tem acesso a essa sensibilidade do personagem. Ele poderia dizer: "ele entrou no quarto e colocou a mão no nariz". Neste tipo de focalização o leitor tem que fazer deduções do que o personagem está sentindo a partir as ações dele.


Focalização Onisciente

"A focalização onisciente, também em terceira pessoa, quando nós, ficcionistas, damos acesso ao leitor a tudo que diz respeito ao personagem, seu passado, presente e futuro: além disso, nos permitimos emitir juízos de natureza ideológica, moral e política, e ainda sobre a história, sobre o personagem", começa o professor Assis Brasil.

Essa focalização vem dos tempos mais remotos da literatura e é considerada a mais utilizada nos clássicos, entretanto, nos tempos atuais, ela está em desuso, pois se tornou algo, digamos, "ultrapassado". Essa focalização conhece tudo de cada personagem e ainda especula sobre sentimentos ou coisas que os personagens fazem ou sentem, muitas vezes ainda dando "pitacos" na história e colocando a própria opinião do narrador, ali.

Aquele trecho que lemos no começo, se encaixaria mais próximo desse tipo de focalização, com algumas correções.



Minha opinião

O que eu considero mais "moderno", contemporâneo e "melhor" de se utilizar é a focalização interna, desde que usada da maneira adequada. Você pode trazer a focalização interna para vários personagens ao longo da história, sob condição de que haja quebras de cena ou quebras de capítulos entre essas mudanças/alternâncias. O já citado George Martin faz isso trocando os capítulos, mas você poderia fazer o mesmo alternando entre os parágrafos ou com quebras de cena (os famosos ***) dentro do próprio capítulo.

O trecho lá do começo, escrito em focalização interna, sem prejuízo a compreensão ficaria assim:

"Certo dia, João saiu para caçar com sua filha, coisa que sempre fazia. A levava junto consigo para que ela olhasse e aprendesse, afinal Maria ainda não possuia forças para manusear uma arma; tinha apenas 8 anos de idade. 

Maria ficava sempre atenta aos movimentos do pai, observava como ele procurava a caça e a abatia quando encontrava".

Aqui o ficcionista escolheu trazer em outro parágrafo a mudança da focalização interna do João para a da Maria. Veja os trechos em negrito, reforçando onde ESTÁ a focalização naquele momento. O fato do narrador dizer "para que a filha olhasse a aprendesse" refere-se a um sentimento interno do pai, algo que somente o pai sabe. O mesmo acontecesse com o "observava como ele procurava" trazendo a focalização para a Maria, pois apesar do pai poder ver que ela estava sempre atenta, como ele está concentrado caçando, não saberia que ela o observava procurar e aprendia com isso.


Esse assunto ainda nos renderia muitas horas de conversa, mas resolvi parar por aqui. Acho que já está claro a ideia de focalização.

Lembre-se também que na literatura não existe o "correto e o incorreto", existe o que deu certo. A literatura é arte e na arte "não há regras". 


Escolha seu tipo de focalização e "Let's write".

Espero que tenham gostado do artigo.

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Que Deus abençoe a todos.

Muito sucesso na escrita.


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